Ah, o Benfica - a alegria do povo! A prenda que continua a dar, como dizem os ingleses. Relativamente a essa instituição, desejo confessar-me: sou um sujo, um sabujo, ressentido empedernido. Sou o marido cornudo, o namorado traído, o macho ferido que não perdoa nem esquece. Não, eu não sou um benfiquista: sou um anarquista e um terrorista. Para o leitor perceber isto, basta que saiba que nasci para o futebol - e para o Benfica - exatamente a 13 de maio de 1994 - dia da minha festa de 10º aniversário e data do vexame, glorioso, de 3-6 em Alvalade. E assim se criou mais um palerma, consumidor de camisolas e comprador de bilhetes. O mundo tinha ainda Maradona, Baggio, Romário ou Laudrup; mas nós tínhamos João Pinto, Rui Costa, Schwarz, Isaías e Paulo Sousa - e isso nos bastava. E eis que, no ano seguinte, subitamente, um cometa desce sobre o Planeta Benfica, e toda a vida inteligente se extingue: Artur Jorge entra em cena (e mais tarde, Vale e Azevedo). Foram precisos três séculos para Roma cair, mas bastaram dez anos formidáveis e atrozes para arrasar essa instituição mundialmente consagrada e arrastar a sua grandeza pela lama. Nessa década negra, que se prolongou por quinze anos, o emblema de Eusébio, Coluna, José Águas e Simões; o clube bicampeão europeu e dominante durante toda uma década é humilhado, zurzido, vergastado, ultrapassado e enlameado uma e outra vez (ideia brilhante para um post futuro - as maiores humilhações do Benfica): o Porto arrasa tudo à sua volta - é pentacampeão, decacampeão a intervalos, campeão europeu, vencedor de Taças UEFA e Ligas Europas…; também o Boavista conquista um campeonato e - pasme-se - até o Sporting, o Sporting (!) ganhou dois campeonatos. A elaboração desta lista dos maiores entre os incontáveis fiascos encarnados durante esse período foi, por esse motivo, uma tarefa surpreendentemente árdua (mesmo para um indivíduo tão desencantado como eu): não por escassez de matéria-prima, mas, pelo contrário, pela abundância da oferta. Estou certo que o leitor compreenderá o expediente a que recorri de contornar as regras e transbordar o copo - a opulência do festim é simplesmente arrebatadora e a verdade desportiva não merecia menos.

12. Nuno Gomes & Mantorras
Imagino já a indignação reprovadora dos fanáticos - então o Mantorras? O Nuno Gomes? Dois dos maiores ídolos do clube nestas duas últimas décadas, estão aqui não pelo que não jogaram - embora não jogassem muito - mas pela diferença entre aquilo que jogaram e o valor percebido do seu mito. Como os membros de uma seita anichados em torno de uma fogueira projetando sombras nas cavernas, é apanágio da massa benfiquista apoiar-se em ilusões percetivas para agigantar medíocres. Mantorras é essa nostalgia de Eusébio - mesmo que, com uma década de clube, não tenha produzido mais que duas mãos-cheias de golos, ao espantoso rácio de aproximadamente um tento por época. O "deixem jogar o Mantorras" equivale a essa farsa justificativa do amigo frouxo perante uma afronta em público, escondido nas costas dos camaradas a bradar: "alguém me agarre que eu vou-me a ele!". Já o tributo a Nuno Gomes - na minha visão pessoalíssima da coisa - acontece por um equívoco recalcado: trata-se de um segundo advento de João Pinto, virtuoso e estrela dos anos 90 convenientemente ignorado da memória coletiva após a deserção para o rival de Lisboa. Marcaram ambos - Mantorras e Nuno Gomes - golos decisivos e proporcionaram aos adeptos alguns - poucos - momentos antológicos? Sem dúvida. Mas comparemos o Benfica com emblemas de grandeza e meios equivalentes durante o mesmo período - um Ajax, Flamengo, Celtic de Glasgow ou mesmo o Inter de Milão. Seriam estas duas figuras referências nos clubes em questão? O leitor decida.
11. Caniggia, Hassan & João Tomás
Outra cartada de avançados, porém esquecidos. Caniggia, em particular - "o filho do vento", jogador fetiche de Maradona e o avançado mais rápido da década de noventa (era então, em estatuto e habilidade, o equivalente a Tierry Henry na década posterior) - sagrou-se num fiasco mundial, à sua dimensão. João Tomás viria a tornar-se um jogador competente - no Rio Ave! Hassan, esse, não passava de um cepo.
10. Akwá, Paulão & Freddy Adu
Parece que o novo Pelé não pegou de estaca. E não apenas no Benfica - mas em lago algum. As forças aqui em movimento não são muito diferentes daquelas que levam a que se veja num golo potente do Mantorras a segunda encarnação de Eusébio. O Benfica é uma fábrica de mitos com o seu D. Sebastião particular e memórias de grandezas passadas que, não raras vezes, particularmente nos últimos vinte anos, violentamente contrastam com um status quo presente tantas vezes miserável e deprimente. Freddy Adu foi apenas outra dessas lebres trocadas por gato, em que a vontade de glória superou a lógica dos factos. Verdade seja dita, nunca o homem caiu no goto dos adeptos e, ao contrário de Mantorras, que ainda ia marcando os golitos, podia jurar que nunca sequer tocou na bola. Quanto a Akwá e Paulão, dois nomes da minha infância - não sei se jogaram muito, se pouco, mas o mais provável é não terem jogado nada. Aqui ficam convenientemente irmanados como companheiros de sangue e desportistas sem história. Que todos os males do Benfica fossem estes!
9. Dimas, Paulo Bento & Paulo Alves
Esse atleta ereto e esbelto que podem ver é o Dimas em ação - como imediatamente se percebe, a personificação de um craque. É verdade que jogou com Zidane na Juventus (e daí - o Secretário também não jogou no Real Madrid?), mas antes disso tropeçou-se pelo Benfica. Chegou acompanhado por uma espécie de sargento, disciplinado e correto, sem sombra de talento ou imaginação, que mais tarde comandaria a seleção, tendo então proclamado, do alto da sua superior inteligência, preferir Moutinho a Cristiano Ronaldo. Lembro-me de vê-lo vagamente a gatinhar na meia-final do Europeu de 2000 contra a França, enquanto tentava, com a sua mentalidade militar, anular um génio chamado Zidane no meio-campo (o equivalente a apagar um fogo com bisnagas). Conta-se que um dos mais célebres pianistas de Viena virou padeiro depois de desafiar um jovem Beethoven para um duelo ao piano. Paulo Bento não fez tanto, limitando-se a rebolar pelo relvado, meio alucinado, tipo um hippie numa trip. Paulo Alves foi outro marreco que, por estas alturas (1996?, 1997?), inexplicavelmente caiu do céu, e de modo igualmente enigmático (talvez nem tanto) se evaporou (consta que teve uma carreira de relativo sucesso em Alvalade).
8. Fernando Mendes, Armando, Marinho & "Paredão" (Emerson Augusto Thomé)

7. Toni, Bruno Caires & Bruno Bastos
É possível que Bruno Caires não fosse assim tão mau - pelo menos tão mau quanto Bruno Bastos. E é também possível que a imagem cavernícola que projeta prejudique a sua avaliação retrospetiva. Mistérios de uma memória poluída pela opacidade de uma era - os anos 90, particularmente após 1994 - em que o Benfica se assemelhava mais a uma instituição municipal ou social - por exemplo, de limpeza dos esgotos - do que a um dos emblemas mais prestigiados do mundo. O Toni é a exceção - nunca vi o homem jogar. Mas atente-se naquela cara profunda de pensador visonário (e provavelmente míope) - alguém acredita nas virtualidades futebolística deste mestre-filósofo da técnico-tática? Esse alguém que me corrija.
6. Machairidis, Bergessio, Pesaresi, Gary Charles, Michael Thomas & Martin Pringle
Quando o poço já estava no fundo, quando parecia impossível descer mais baixo - eis que entra em cena João Vale e Azevedo, o Bruno de Carvalho do Benfica. E com ele, esta revolução: em vez de aspirar os piores jogadores a nível nacional, tornou-se o emblema da águia uma máquina devoradora de proveniente de todo o mundo - particularmente britânico. Mas a herança das ilhas dilui-se num cocktail multicultural tão potente quanto aniquilador da memória, e nomes como os de Machairidis, Pesarersi, Gary Charles ou Martin Pringle - todos eles se diluem nessa peçonha venenosa com que se brindou a passagem de século. Foi o gosto desta cicuta - a última gota numa sucessão imbatível de mixórdias - que definitivamente enterrou o meu benfiquismo nas estepes do sarcasmo e do olvido.
5. Neno, Bossio & Roberto
Sempre pensei que estas duas pessoas fossem a mesma. Mas não - a figura de cima é o Bossio, e em baixo está o Roberto. O leitor decida qual prefere. Quanto ao Neno - é verdade que ainda se atirava à bola, ainda que depois de esta ter entrado. Talvez não fosse tão superlativamente incapaz quanto estes dois sujeitos, mas, enquanto espalhafatoso burlão das balizas - irresistivelmente desmascarado por Preud'homme quando o belga entrou em cena - merece bem a posição que ocupa nesta lista.
4. Nelo, Tavares & Amaral
Nelo, Tavares e Amaral - palavras para quê? A equipa dos sonhos de qualquer criança (não faço ideia de quem seja o Clóvis).
3. Fernando Aguiar & Beto
De Fernando Aguiar disse Simão Sabrosa ter sido o pior jogador com quem alguma vez jogou. Esteve no Benfica algures durante a primeira metade dos anos 2000, já com Luís Filipe Vieira ao comando, e a sua presença coincide com o perído em que o clube começava, lentamente, a levantar a cabeça, numa recuperação espiritual praticamente vazia de conquistas - que constratações como esta ajudam a explicar. A imagem até é simpática - dá a ideia de um driblador possante e carismático, carregando a equipa às costas pela sua força de meios e de vontade. Nada mais errado - costuma evocar-se a imagem de um tronco para referir indivíduos assim, mas eu penso que a palavra trator, nas suas ressonâncias linguísticas de limitação de mobilidade e força bruta, exprime melhor a ideia. Ou então lesma - uma lesma gigantesca, desprovida de técnica, velocidade ou inteligência. Porque é isso mesmo que ele foi.
E Beto? Beto foi um mal-amado, talvez como nenhum outro, o jogador mais malquisto pela bancada de que me consigo lembrar. Foi assim tão horrível? Sem dúvida. Mas apesar da sua inépcia manifesta, por qualquer motivo - talvez para contrariar a turba - conquistou sempre um módico da minha simpatia (um módico muito milimétrico: convém nunca esquecer a sua absurda falta de talento). Talvez por isso, na imagem, aqui fica um momento raro: o golo que marcou contra o United, que valeu uma vitória em casa na fase de grupos da Champions. Pode parecer estranho, mas basta pensarmos no Éder para percebermos que o futebol tem destas coisas.
2. Bermudez & Paulo Madeira
Bermudez - essa figura inesquecível! Na memória coletiva, um golo genial, de pontapé de biblicleta contra o Porto, em jogo da decisão do título - não fora na própria baliza, e seria candidato ao Prémio Puskás. Quanto a Paulo Madeira - de cognome Espanador - estará por estas alturas referido em qualquer entrada do Guiness como o pior central da história do futebol mundial. Olho para esta dupla, separada por um par de anos, mas aqui tão perfeitamente emparelhada, e tremo pelo que poderia ter sido - imaginem o terror dos avançados perante a visão de dois tão consagrados virtuosos.
1. "Tote" (Jorge Lopéz Marco)
A façanha de"Totte", destacando-se isoladamente como o pior entre tantos canastrões, qualquer que seja o ângulo por que se observe, é digna da mais espantosa admiração de todo o mundo. Pior que Paulo Madeira, Bruno Aguiar, Martin Pringle ou Tavares. Abaixo de Bermudez, Paulo Bento, Freddy Adu ou Mantorras. Decididamente, o mais extravagante calhau que alguma vez calçou a chuteira vermelha - ou qualquer outra. Como descrever os talentos de Jorge Lopéz Marco entre as quatro linhas? Destrambelhado, desengonçado, desastrado, fora de tempo, cego, vesgo, tapado, frouxo - enfim, meras palavras não fazem justiça ao desatino do homem com o seu corpo e com a bola. Até pelas semelhanças físicas, é possível compará-lo a um Orlando Bloom do futebol - mas pior: um garoto sem carisma ou inspiração, elevado por qualquer milagre aos grandes palcos, para vergonha da espécie humana em geral e do homo benfiquistus em particular.
Sem comentários:
Enviar um comentário